75 anos da Grande Vitória: uma responsabilidade partilhada para com a história e o futuro
Tradução não-oficial do russo
75 anos passaram desde o fim da Grande Guerra Patriótica. Diversas gerações cresceram ao longo destes anos. O mapa político do planeta mudou. A União Soviética, que conquistou uma vitória épica e esmagadora sobre o nazismo e salvou o mundo, já não existe. Além disso, os eventos desta guerra tornam-se uma memória distante, até para aqueles que participaram nela. Mas porque o dia 9 de maio é comemorado na Rússia como a data mais importante, e em 22 de junho a vida quase para e sentimos um nó na garganta?
Costuma-se dizer que a guerra deixou uma marca profunda na história de todas as famílias. Por trás destas palavras estão os destinos de milhões de pessoas, os seus sofrimentos e a dor de perda. O orgulho, a verdade e a memória.
Para os meus pais, a guerra é os terríveis sofrimentos do cerco de Leningrado, onde o meu irmão de dois anos de idade, Vitia, faleceu e onde a minha mãe conseguiu sobreviver por milagre. O meu pai, apesar de estar desobrigado do serviço, foi como um voluntário para defender a sua cidade natal. Ele tomou a mesma decisão que milhões de cidadãos soviéticos. Ele lutou no Nevsky Pyatachok e ficou gravemente ferido. Quanto mais anos passam, sinto mais necessidade de conversar com os meus pais e conhecer melhor os tempos da sua vida relacionados com a guerra. Mas já não é possível perguntar nada, por isso, guardo piedosamente no coração as conversas que tinha com os meus pais sobre este tema, as poucas emoções deles.
Para mim e para as pessoas da minha idade é importante que os nossos filhos, netos e bisnetos entendam as dificuldades e padecimentos que os seus antepassados sofreram. Como, porque conseguiram resistir e vencer? De onde surgiu a sua força verdadeiramente poderosa de espírito que surpreendeu e fascinou todo o mundo? Sim, eles defenderam a sua casa, os seus filhos, os seus entes queridos e as famílias. Mas foi o amor pela sua Pátria, pela sua Terra Natal, que os uniu. Este sentimento profundo, pessoal reflete-se em toda a sua plenitude na própria essência do nosso povo e torna-se um dos fatores determinantes na sua luta heroica e de sacrifício contra os nazistas.
As pessoas perguntam frequentemente: como a geração de hoje se comportaria, como agiria numa situação crítica? Estou a olhar aos jovens médicos, enfermeiros, às vezes até recém-formados que vão hoje para as “zona vermelhas” para salvar vidas. Os nossos militares que lutaram contra o terrorismo internacional no norte do Cáucaso e aqueles que perderam vidas na Síria, são rapazes jovens! Muitos dos combatentes do 6.º batalhão de paraquedistas, lendário e imortal, tinham 19-20 anos de idade. Mas todos eles mostraram que foram dignos da façanha dos soldados da nossa Pátria, que a defenderam na Grande Guerra Patriótica.
Por isso, acredito que o cumprimento do dever, sem pensar em si próprio se as circunstâncias o exigem, fazem parte do carácter dos povos da Rússia. O espírito de sacrifício, o patriotismo, o amor pela sua terra, pela sua família e pela Pátria – estes valores hoje continuam a ser fundamentais, essenciais para a sociedade russa. Eles formam, no fundo, os alicerces da soberania do nosso país.
Hoje, temos novas tradições, criadas pelo povo, tais como o “Regimento Imortal”. É uma marcha de memória de gratidão que simboliza a conexão viva e os laços de sangue entre as gerações. Milhões de pessoas saem às ruas com as fotografias dos seus familiares que defenderam a Pátria e derrotaram os nazistas. Isto significa que as suas vidas, os seus sofrimentos e sacrifícios, e a Vitória que passaram para nós, nunca serão esquecidos.
A nossa responsabilidade perante o presente e o futuro é fazer tudo para não permitir que tragédias terríveis se repitam. Por isso, considerei o meu dever publicar um artigo sobre a Segunda Guerra Mundial e a Grande Guerra Patriótica. Eu discutia sobre esta ideia em muitas conversas com os líderes mundiais, e eles mostraram a sua compreensão. No fim do ano passado na cimeira dos líderes da Comunidade dos Estados Independentes todos partilhámos a mesma opinião: é essencial transmitir às gerações futuras a lembrança de que a vitória sobre os nazistas foi alcançada em primeiro lugar pelo povo soviético, de que nesta luta heroica, tanto na linha de frente, como na retaguarda, estiveram juntos os representantes das todas as repúblicas da União Soviética. Naquela cimeira conversámos também sobre o período desafiador pré-guerra.
Esta conversa causou um grande impacto na Europa e no mundo. Isto significa, que abordar as lições do passado é realmente necessário e atual. Ao mesmo tempo, houve muitas emoções, complexos mal disfarçados e grandes acusações. Alguns políticos, como é de costume, logo afirmaram que a Rússia estava a tentar reescrever a história. No entanto, eles nunca conseguiram refutar um único facto, nem um argumento foi apresentado. Obviamente é difícil e até impossível argumentar contra os documentos originais que, a propósito, estão conservados não só nos arquivos russos, mas também nos estrangeiros.
Por isso, há uma necessidade de continuar a análise das razões, que levaram à guerra mundial, e refletir sobre os seus acontecimentos complexos, tragédias e vitórias, sobre as suas lições tanto para o nosso país, como para todo o mundo. E neste ponto, repito, é de importância fundamental que nos baseemos exclusivamente nos materiais de arquivos e nos testemunhos das pessoas da época, que evitemos quaisquer especulações ideológicas ou politizadas.
Mais uma vez faço lembrar uma coisa óbvia: as causas profundas da Segunda Guerra Mundial decorrem em grande parte das decisões tomadas na depois da Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes tornou-se um símbolo de uma grande injustiça para a Alemanha. De facto, foi uma espécie de roubo do país, que foi forçado a pagar aos aliados ocidentais as enormes reparações, que esgotaram a sua economia. O marechal francês Ferdinand Foch, Comandante-em-chefe das forças aliadas, profeticamente descreveu o Tratado de Versalhes: “Isso não é a paz, é uma trégua por vinte anos”.
Foi precisamente a humilhação nacional que criou o terreno fértil para sentimentos radicais e revanchistas na Alemanha. Os nazistas jogaram habilmente com estas emoções, elaboraram a sua propaganda prometendo libertar a Alemanha do “legado de Versalhes”, restaurar o poder antigo do país, enquanto de facto, empurraram o povo alemão para uma nova guerra. Paradoxalmente, os países ocidentais, em primeiro lugar o Reino Unido e os EUA, contribuíram diretamente ou indiretamente para isto. Os seus círculos financeiros e industriais investiram ativamente nas fábricas e empresas alemãs que produziam artigos militares. Além disso, entre os aristocratas e políticos havia muitos adeptos dos movimentos radicais, de extrema-direita e nacionalistas que estavam em ascensão na Alemanha e na Europa.
A “ordem mundial” de Versalhes causou inúmeras controvérsias ocultas e conflitos evidentes. Na sua base estão as fronteiras dos novos estados europeus estabelecidas arbitrariamente pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial. A delimitação das fronteiras foi quase imediatamente seguida pelas disputas territoriais e reivindicações mútuas, transformando-se em “bombas-relógios”.
Um dos resultados mais importantes da Primeira Guerra Mundial foi o estabelecimento da Sociedade das Nações. Naquela organização internacional foram colocadas grandes esperanças de que garanta a paz a longo prazo, segurança coletiva. Foi uma ideia progressista que, caso tivesse sido realizada de maneira consistente, teria podido realmente impedir que os horrores de uma guerra mundial ocorressem novamente.
No entanto, a Sociedade da Nações em que dominaram as potências vitoriosas – a França e o Reino Unido, mostrou-se ineficiente e meramente afundou em conversas inúteis. A Sociedade das Nações e o continente europeu em geral não ouviram inúmeros apelos da União Soviética para que seja estabelecido um sistema igualitário de segurança coletiva, particularmente quanto à conclusão dos pactos da Europa Oriental e do Pacífico para bloquear a agressão. Estas propostas foram ignoradas.
A Sociedade das Nações não conseguiu impedir os conflitos nas diversas partes do mundo, tais como o ataque italiano contra a Etiópia, a Guerra Civil espanhola, a agressão japonesa contra a China e a anexação da Áustria. No caso do Acordo de Munique em que, além de Hitler e Mussolini, participaram os líderes britânicos e franceses, a Checoslováquia foi desmembrada com total aprovação da Sociedade das Nações. Gostaria de ressaltar aqui que ao contrário de muitos dos líderes europeus da época, Estaline não se manchou pelo encontro pessoal com Hitler, conhecido na altura nos círculos ocidentais como um político respeitável e sempre bem-vindo nas capitais europeias.
A Polónia também participou no desmembramento da Checoslováquia junto com a Alemanha. Juntos decidiram antecipadamente quem ficaria com quais terras da Checoslováquia. A 20 de setembro de 1938, o embaixador polonês na Alemanha Józef Lipski informou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia Józef Beck sobre as seguintes garantias de Hitler: “...no caso de um conflito entre a Polónia e a Checoslováquia sobre os nossos interesses em Cieszyn, o Reich ficará do nosso lado”. O líder dos nazistas até dava orientações, aconselhou a Polónia a agir “apenas depois de os alemães ocuparem os Sudetos”.
A Polónia sabia que, sem o apoio de Hitler, os seus planos de anexação fracassariam. Aqui cito um registo da conversa entre o embaixador alemão em Varsóvia Hans-Adolf von Moltke e Józef Beck ocorrida a 1 de outubro de 1938, sobre as relações entre a Polónia e Checoslováquia e a posição da URSS neste assunto. Eis o que está lá escrito: “O Sr. Beck … expressou grande gratidão pela interpretação leal dos interesses poloneses na Conferência de Munique, bem como pela sinceridade das relações durante o conflito checo. O Governo e a sociedade [polaca] apreciam altamente a atitude do Führer e do Chanceler”.
O desmembramento da Checoslováquia foi cruel e cínico. Munique destruiu até aquelas garantias frágeis e formais que tinham permanecido no continente, mostrou que os acordos mútuos foram inúteis. O Acordo de Munique foi aquele “estopim” que tornou a grande guerra na Europa inevitável.
Hoje os políticos europeus e especialmente os líderes polacos desejam “varrer” o Acordo de Munique para debaixo do tapete. Porquê? O motivo não é só porque os seus países na altura terem rompido compromissos e apoiado o Acordo de Munique, sendo que alguns até participaram da divisão da pilhagem, mas também porque é incómodo lembrar que, durante os dias dramáticos de 1938, a União Soviética foi a única a defender a Checoslováquia.
A União Soviética, de acordo com as suas obrigações internacionais, incluindo os acordos com a França e a Checoslováquia, tentou evitar a tragédia. Enquanto isso, a Polónia, defendendo os seus interesses, estava a fazer todo ao seu alcance para evitar a criação de um sistema de segurança coletiva na Europa. Józef Beck, Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, escreveu abertamente sobre isso na sua carta de 19 de setembro de 1938 ao embaixador Józef Lipski antes do seu encontro com Hitler: “...no ano passado, o Governo polaco rejeitou quatro vezes a proposta de juntar-se à intervenção internacional para a defesa da Checoslováquia".
O Reino Unido, bem como a França, que na época, foram principais aliados dos checos e eslovacos, preferiram desistir das suas garantias e abandonar o país do Leste Europeu, que afinal foi desmembrado. Não só abandonar, mas atrair a atenção dos nazistas para o Leste, para que a Alemanha e a União Soviética colidissem inevitavelmente e mutuamente se sangrassem.
Foi nisto que consistia a política ocidental de “pacificação”, que abrangia não só o Terceiro Reich, mas também os outros integrantes do chamado Pacto Anticomintern, incluindo a Itália fascista e o Japão militarista. No Extremo Oriente, essa política culminou na conclusão do Acordo Anglo-Japonês do verão de 1939, dando a Tóquio total liberdade na China. As principais potências europeias não queriam reconhecer o perigo mortal para o mundo representado pela Alemanha e os seus aliados, esperavam que a guerra não as atingisse.
O Acordo de Munique mostrou à União Soviética que os países ocidentais iriam lidar com as questões de segurança sem considerar os interesses da URSS, e se houvesse uma boa oportunidade, poderiam formar uma frente antissoviética.
No entanto, a União Soviética tentou até ao fim utilizar qualquer chance para formar uma coligação anti-Hitler, repito, apesar da posição “de duas caras” dos países ocidentais. Através dos serviços de inteligência, as autoridades soviéticas recebiam informações detalhadas sobre os contactos de bastidores entre os britânicos e os alemães no verão de 1939. Chamo a atenção que estes contactos eram conduzidos com muita frequência, e de forma quase simultânea com as conversações trilaterais entre os representantes da França, do Reino Unido e da União Soviética, que eram intencionalmente prolongadas pelos parceiros ocidentais. Citarei um documento dos arquivos britânicos – é a instrução da missão militar britânica que chegou a Moscovo em agosto de 1939. O documento afirma explicitamente que a delegação deveria prosseguir com as “negociações de maneira bastante lenta”; e que “o Governo do Reino Unido não estava pronto para assumir obrigações detalhadas que possam limitar a nossa liberdade de ação sob quaisquer circunstâncias”. Sublinho ainda que, ao contrário dos britânicos e franceses, a delegação soviética foi liderada pelo Alto Comando do Exército Vermelho, que tinha toda a autoridade necessária para “assinar uma convenção militar sobre a organização de defesa militar do Reino Unido, da França e da União Soviética contra a agressão na Europa”.
A Polónia, que não queria ter nenhumas obrigações com a parte soviética, também desempenhou o seu papel no fracasso das negociações. Mesmo sob a pressão dos aliados ocidentais, a liderança polaca rejeitou a ideia de uma ação conjunta com o Exército Vermelho para combater a Wehrmacht. E foi só depois de ter sabido sobre a chegada de Ribbentrop a Moscovo, que Jósef Beck, a contragosto e indiretamente, através dos diplomatas franceses, informou a parte soviética: “...No caso de ações conjuntas contra a agressão alemã, não é descartada a cooperação entre a Polónia e a União Soviética, sob condições técnicas a serem determinadas”. Ao mesmo tempo, ele explicou aos seus colegas: “...não estou contra isto apenas para facilitar a tática, a nossa posição inicial em relação à União Soviética é definitiva e permanece inalterada”.
Nestas circunstâncias, a União Soviética assinou o Pacto de Não Agressão com a Alemanha, sendo de facto o último a fazê-lo entre os países europeus. Além disso, o acordo foi firmado diante de uma ameaça real de guerra em duas frentes, uma com a Alemanha a oeste e outra com o Japão a leste, onde já ocorriam batalhas intensas no rio Khalkhin Gol.
Estaline e o seu círculo próximo merecem muitas acusações justas. Nós lembramos dos crimes cometidos pelo regime contra o seu próprio povo e o terror das repressões em massa. Repito: os líderes soviéticos podem ser criticados por muitas coisas, mas não pela ausência de compreensão do carácter das ameaças externas. Eles viram, que houve tentativas de deixar a União Soviética sozinha com a Alemanha e os seus aliados, e agiram, percebendo a verdadeira ameaça, para ganhar tempo precioso para fortalecer a defesa do país.
Hoje há diversas especulações e acusações contra a Rússia ligadas ao Pacto de Não Agressão assinado na época. Sim, a Rússia é o estado sucessor legal da União Soviética e o período soviético, com todas as suas vitórias e tragédias, é a parte da nossa história milenar. No entanto, faço lembrar que a União Soviética realizou uma avaliação legal e moral do chamado Pacto Molotov–Ribbentrop. Na resolução do Soviete Supremo de 24 de dezembro de 1989 denunciou oficialmente os protocolos secretos como “ato de poder pessoal”, que não refletia a “vontade do povo soviético, que não é responsável por este pacto”.
Entretanto, outros países preferem esquecer os acordos assinados pelos políticos nazistas e ocidentais, sem falar da avaliação jurídica ou política de tal cooperação, incluindo o consentimento silencioso, ou mesmo encorajamento direto, por parte de alguns políticos europeus quanto aos planos bárbaros dos nazistas. Basta recordar a frase do embaixador polonês na Alemanha Jósef Lipski durante a conversa com Hitler a 20 de setembro de 1938: “...Por ter resolvido a questão judaica, nós [os polacos] erguer-lhe-emos … uma bela estátua em Varsóvia”.
Não sabemos também se houve “protocolos secretos” ou anexos aos acordos de diversos países com os nazistas. Resta apenas acreditar nas palavras deles. Em particular, os materiais sobre as negociações secretas anglo-alemãs ainda não foram desclassificados. Portanto, apelamos a todos os países a intensificarem o processo da abertura dos seus arquivos, publicação dos documentos anteriormente desconhecidos dos tempos pré-guerra, da mesma maneira que a Rússia o tem feito nos últimos anos. Nesse contexto, estamos prontos para a ampla cooperação e desenvolvimento dos projetos conjuntos de pesquisa entre os historiadores.
Mas voltemos aos acontecimentos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Seria ingénuo acreditar que Hitler, após reprimir a Checoslováquia, não faria novas reivindicações territoriais. Desta vez em relação ao seu recente cúmplice no desmembramento da Checoslováquia, à Polónia. Aqui, a propósito, o legado de Versalhes também foi usado como pretexto, ou seja, o destino do chamado corredor de Danzig. A tragédia da Polónia que se seguiu é de total responsabilidade dos líderes polacos da altura, que impediram a formação de uma aliança militar entre o Reino Unido, a França e a União Soviética, que contaram com contando com a ajuda dos seus aliados ocidentais e jogaram o seu próprio povo à máquina de destruição de Hitler.
A ofensiva alemã foi montada de acordo completo com a doutrina blitzkrieg. Apesar da resistência violenta e heroica do exército polaco, a 8 de setembro de 1939, apenas uma semana após o início da guerra, as tropas alemãs já estavam a aproximar-se de Varsóvia. Mas a 17 de setembro os líderes militares e políticos da Polónia fugiram para a Roménia, abandonando o seu povo, que continuou a lutar contra os invasores.
Os aliados ocidentais não corresponderam às expectativas da Polónia. Depois de ter sido declarada a guerra contra a Alemanha, as tropas francesas avançaram apenas por alguns quilómetros no território alemão. Tudo isso parecia uma simples demonstração de ações de combate. Além disso, o Conselho Supremo de Guerra Anglo-Francês, ao realizar o seu primeiro encontro em 12 de setembro de 1939 na cidade francesa de Abbeville, decidiu suspender a ofensiva, tendo em vista os rápidos desenvolvimentos na Polónia. Foi assim que começou a chamada “guerra de mentira”. Obviamente isto foi uma traição direta pela França e pelo Reino Unido das suas obrigações para com a Polónia.
Posteriormente, durante os julgamentos de Nuremberga, os generais alemães explicaram o seu rápido avanço no Oriente. O ex-chefe da sede operacional do Alto Comando das Forças Armadas alemãs, general Alfred Jodl, admitiu: “...Não sofremos derrotas desde 1939 apenas porque cerca de 110 divisões francesas e britânicas, que estavam no ocidente contra 23 divisões alemãs durante a nossa guerra com a Polónia, permaneceram absolutamente inativas”.
Pedi a recuperação dos arquivos de toda a diversidade de materiais sobre os contactos entre a União Soviética e a Alemanha naqueles dias dramáticos de agosto e setembro de 1939. De acordo com os documentos, a cláusula 2 do Protocolo Secreto do Pacto de Não Agressão entre a Alemanha e a URSS de 23 de agosto de 1939 estabelecia que, em caso da reorganização político-territorial dos distritos que compõem a Polónia, a fronteira das esferas de interesse dos dois países seria “aproximadamente ao longo dos rios Narew, Vístula e San”. Em outras palavras, a esfera de influência soviética incluiria não apenas os territórios que abrigavam principalmente a população ucraniana e bielorrussa, como também as terras polacas entre o Vístula e o Bug. Poucos sabem deste facto.
Poucos também sabem que, logo após o ataque à Polónia, nos primeiros dias de setembro de 1939, Berlim muitas vezes e insistente apelou a Moscovo para juntar-se às ações militares. No entanto, a liderança soviética ignorou estes apelos e não pretendia envolver-se nos acontecimentos dramáticos até ao último momento.
Foi só quando ficou absolutamente claro que o Reino Unido e a França não ajudariam o seu aliado e que a Wehrmacht poderia rapidamente ocupar toda a Polónia, chegando de facto às proximidades de Minsk, que foi tomada a decisão de enviar de manhã de 17 de setembro as unidades do Exército Vermelho para as chamadas fronteiras orientais - hoje fazem parte dos territórios da Bielorrússia, Ucrânia e Lituânia.
Obviamente, não havia outra opção. Caso contrário, a União Soviética estaria em risco muito maior, porque, repito, a antiga fronteira entre a Polónia e a União Soviética passava a apenas alguns quilómetros de Minsk, e a inevitável guerra com os nazistas começaria a partir das posições estratégicas extremamente desfavoráveis, enquanto as milhões de pessoas de diferentes nacionalidades, incluindo os judeus que moravam perto de Brest e Grodno, Przemyśl, Lvov e Wilno, seriam exterminados nas mãos dos nazistas e dos seus subordinados locais, antissemitas e nacionalistas radicais.
Foi este facto de a União Soviética ter tentado evitar o conflito durante o maior tempo possível e não estar disposta a lutar lado a lado com a Alemanha foi a razão pela qual o primeiro confronto entre as tropas soviéticas e alemãs ocorreu mais a leste da linha especificada no protocolo secreto. Não foi ao longo do rio Vístula, mas mais próximo da chamada Linha Curzon, que em 1919 foi recomendada pela Tríplice Entente como a fronteira oriental da Polónia.
Como se sabe, quase não faz sentido usar o conjuntivo quando falamos dos acontecimentos passados. Só posso dizer que, em setembro de 1939 a liderança soviética teve a oportunidade de mover as fronteiras ocidentais da União Soviética ainda mais para ocidente, até Varsóvia, mas decidiu não o fazer.
Os alemães sugeriram fixar o novo “status quo”. A 28 de setembro de 1939 Joachim von Ribbentrop e Viatcheslav Molotov assinaram em Moscovo o Tratado sobre a Amizade e Fronteira entre a União Soviética e a Alemanha, bem como o protocolo secreto sobre a mudança da fronteira nacional, reconhecendo a linha de demarcação onde de facto estavam colocados os dois exércitos.
No outono de 1939, a União Soviética no âmbito da resolução das suas tarefas militares estratégicas iniciou o processo de incorporação da Letónia, Lituânia e Estónia. A sua adesão à União Soviética foi implementada com base nos acordos, com o consentimento das autoridades eleitas, de acordo com as leis nacionais e internacionais da época. Além disso, em outubro de 1939, a cidade de Wilno e a área próxima, que anteriormente faziam parte da Polónia, foram devolvidas à Lituânia. As repúblicas bálticas da União Soviética mantiveram os seus órgãos governamentais, o seu idioma e tinham representação nos mais altos órgãos estatais da União Soviética.
Durante todos esses meses, desenrolava-se uma luta diplomática e político-militar impercetível, um trabalho da inteligência. Moscovo entendeu que estava a enfrentar um inimigo implacável e cruel, e que uma guerra oculta contra o nazismo já estava em andamento. E não havia razões para encarar as declarações oficiais e notas formais de protocolo da época como uma prova de “amizade” entre a União Soviética e a Alemanha. A União Soviética mantinha contactos comerciais e técnicos ativos não apenas com a Alemanha, mas também com outros países. Enquanto Hitler tentou repetidamente atrair a União Soviética para o confronto com o Reino Unido, o Governo soviético permaneceu firme.
Hitler fez a última tentativa de convencer a União Soviética a participar nas ações conjuntas durante a visita de Molotov a Berlim em novembro de 1940. Mas Molotov seguiu com precisão as instruções de Estaline, limitando-se a uma discussão geral sobre a ideia alemã de a União Soviética ingressar no Pacto Tripartido, assinado pela Alemanha, Itália e Japão em setembro de 1940 e dirigido contra o Reino Unido e os EUA. Não é por acaso que já a 17 de novembro Molotov instruiu o enviado soviético em Londres Ivan Maisky assim: “Para a sua informação... Nenhum acordo foi assinado ou pretendia a ser assinado em Berlim. Acabamos de trocar as nossas opiniões em Berlim... e isso foi tudo... Aparentemente, os alemães e os japoneses parecem ansiosos de nos mandar para o Golfo e a Índia. Recusamos discutir esse assunto, pois consideramos inadequados esses conselhos por parte da Alemanha”. Em 25 de novembro, a liderança soviética colocou um ponto final na questão: apresentou oficialmente a Berlim condições inaceitáveis para os nazistas, incluindo a retirada das tropas alemãs da Finlândia, um acordo sobre o apoio mútuo entre a Bulgária e a União Soviética e vários outros, tendo excluído deliberadamente qualquer possibilidade de aderir ao Pacto. Essa posição reforçou definitivamente a intenção do Führer de desencadear uma guerra contra a União Soviética. E já em dezembro, deixando de lado as advertências dos seus estrategistas sobre o perigo desastroso de ter uma guerra em duas frentes, Hitler aprovou a Operação Barbarossa. Ele fez isto percebendo que a União Soviética foi a principal força que se opunha a ele na Europa e que a próxima batalha no Oriente iria decidir o resultado da guerra mundial. Ele estava certo de que a sua campanha em Moscovo seria rápida e bem-sucedida.
Gostaria de destacar o seguinte: os países ocidentais de facto concordaram na época com as ações soviéticas e reconheceram a intenção da União Soviética de garantir a sua segurança nacional. Assim, a 1 de outubro de 1939 Winston Churchill, o ainda Chefe do Almirantado britânico, disse no seu discurso na rádio: “A Rússia segue uma política fria de interesse próprio... Para proteger o país da ameaça nazista, os exércitos russos deveriam permanecer naquela linha [a nova fronteira ocidental]”. A 4 de outubro de 1939, falando na Câmara dos Lordes, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha Edward Halifax disse: “...É preciso relembrar que as ações do Governo soviético constituem uma transferência efetiva da fronteira até a linha recomendada na Conferência de Versalhes por Lord Curzon... Estou apenas a citar os factos históricos e acredito que são inegáveis”. O famoso político e estadista britânico David Lloyd George enfatizou: “Os exércitos russos tomaram territórios que não são polacos e que foram ocupados pela Polónia após a Primeira Guerra Mundial... Seria um ato de insanidade criminosa colocar o avanço russo em igualdade com o dos alemães”.
Nas comunicações informais com o enviado plenipotenciário soviético Ivan Maisky os diplomatas e políticos britânicos de alto nível falavam ainda mais abertamente. Em 17 de outubro de 1939 Richard Austen Butler, o Ministro Adjunto dos Negócios Estrangeiros, confidenciou: “…Os círculos do Governo britânico acreditam que não pode ser colocada a questão de devolver a Ucrânia e a Bielorrússia ocidentais à Polónia. Se fosse possível criar uma Polónia etnográfica de tamanho modesto, com garantias não apenas por parte da URSS e da Alemanha, mas também da Grã-Bretanha e da França, o Governo britânico seria bastante satisfeito”. A 27 de outubro de 1939 Horace Wilson, o Conselheiro Sénior de Neville Chamberlain, disse: “A Polónia deve… ser restaurada como um estado independente na sua base etnográfica, mas sem a Ucrânia Ocidental e a Bielorrússia”. Vale a pena apontar que, no decorrer dessas conversas, foi também examinada a possibilidade de melhorar as relações soviético-britânicas. Estes contactos estabeleceram na grande parte os alicerces para futuras alianças e coligação anti-Hitler. Winston Churchill destacava-se entre os outros políticos responsáveis e perspicazes, sendo que apesar da sua antipatia conhecida à URSS, estava a favor da cooperação ainda antes. Ainda em maio de 1939 ele disse na Câmara dos Comuns: “Estaremos em perigo mortal se não criarmos uma grande aliança contra a agressão. A pior loucura seria afastar qualquer cooperação natural com a Rússia soviética”. Já depois do início das hostilidades na Europa, durante a sua reunião com Ivan Maisky em 6 de outubro de 1939 ele confidenciou: “…Não há contradições sérias entre o Reino Unido e a URSS e, portanto, não há motivo para relações tensas ou insatisfatórias. O Governo britânico … está ansioso para desenvolver … as relações comerciais. Está disposto a discutir quaisquer outras medidas que possam melhorar as relações”.
A Segunda Guerra Mundial não aconteceu da noite para o dia, nem começou inesperadamente ou de repente. A agressão alemã contra a Polónia não veio do nada. Foi o resultado de uma série de tendências e fatores da política mundial daquela altura. Todos os eventos pré-guerra juntaram-se numa cadeia fatal. Mas, sem dúvida, os principais fatores que predeterminaram a maior tragédia na história da humanidade foram egoísmo estatal, covardia, apaziguamento do agressor que estava a ganhar força, e falta de vontade das elites políticas em buscar um compromisso.
Portanto é injusto afirmar que a visita de dois dias a Moscovo de Ribbentrop, Ministro dos Negócios Estrangeiros nazista, foi a principal razão para o início da Segunda Guerra Mundial. Todos os principais países na certa medida são responsáveis pelo seu surto. Cada um deles cometeu erros fatais, tendo acreditado arrogantemente que era possível enganar os outros, garantir vantagens unilaterais para si ou ficar fora da catástrofe global iminente. Essa miopia e a recusa de criar um sistema de segurança coletiva custaram milhões de vidas e perdas tremendas.
Ao escrever isso, de nenhuma maneira pretendo assumir o papel de juiz, acusar ou absolver alguém, muito menos iniciar uma nova rodada de confronto internacional de informação no campo histórico que poderia colocar países e povos em desacordo. Eu acredito que são os círculos académicos com uma ampla representação de cientistas de diferentes países que devem procurar uma avaliação equilibrada do que aconteceu. Todos nós precisamos da verdade e da objetividade. Da minha parte, sempre convidei os colegas a construir um diálogo calmo, aberto e franco, a olhar o passado comum de maneira autocrítica e imparcial. Esta abordagem tornará possível não repetir os erros cometidos naquela altura e garantir um desenvolvimento pacífico e próspero para os muitos anos a seguir.
Entretanto muitos dos nossos parceiros ainda não estão prontos para o trabalho conjunto. Pelo contrário, perseguindo os seus objetivos, eles aumentam o número e proporções de ataques de informação contra o nosso país, querem nos obrigar a dar desculpas e nos sentir culpados, adotam declarações completamente hipócritas e politizadas. Assim, por exemplo, a resolução “Importância da memória europeia para o futuro da Europa” aprovada pelo Parlamento Europeu a 19 de setembro de 2019 acusou diretamente a URSS, junto com a Alemanha nazista, no desencadeamento da Segunda Guerra Mundial. É desnecessário dizer que não há nenhuma menção de Munique.
Acredito que essa “papelada” – pois não posso chamar esta resolução um documento – que claramente pretende provocar um escândalo, está repleta de ameaças reais e perigosas. Porque foi adotada por uma instituição altamente respeitável. E o que isto mostra? Lamentavelmente, isso revela uma política deliberada destinada a destruir a ordem mundial pós-guerra, cuja criação foi uma questão de honra e responsabilidade dos estados, vários representantes dos quais votaram hoje a favor desta resolução enganosa. Assim, eles desafiaram as conclusões do Tribunal de Nuremberga e os esforços da comunidade internacional de criar instituições internacionais universais após a vitorioso ano de 1945. Gostaria de relembrar a esse respeito que o próprio processo de integração europeia que levou ao estabelecimento das estruturas relevantes, incluindo o Parlamento Europeu, foi possível só graças às lições aprendidas do passado e a sua precisa avaliação jurídica e política. E aqueles que deliberadamente colocam esse consenso em questão minam os fundamentos de toda a Europa pós-guerra.
Além de representar uma ameaça aos princípios fundamentais da ordem mundial, isso também levanta certas questões morais e éticas. Profanar e insultar a memória é cruel. A maldade pode ser deliberada, hipócrita e praticamente intencional, como na situação quando nas declarações comemorativas do 75.º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial mencionam-se todos os participantes da coligação anti-Hitler com exceção da União Soviética. A maldade pode ser covarde, como na situação em que os monumentos erigidos em homenagem àqueles que lutaram contra o nazismo são demolidos, e esses atos vergonhosos são justificados por slogans falsos sobre a luta contra uma ideologia indesejável e uma suposta ocupação. A maldade também pode ser sangrenta como na situação em que aqueles que se lançam contra neonazistas e sucessores de Bandera são mortos e queimados. Repito, a maldade pode ter manifestações diferentes, mas isso não a torna menos repugnante.
Negligenciar as lições da história inevitavelmente leva a um retorno duro. Defenderemos firmemente a verdade baseada nos factos históricos documentados. Continuaremos a falar honesto e imparcialmente sobre os eventos da Segunda Guerra Mundial. Isso, nomeadamente, inclui um projeto de larga escala para criar na Rússia a maior coleção de documentos de arquivo, filmes e materiais fotográficos sobre a história da Segunda Guerra Mundial e o período pré-guerra.
Esse trabalho já está em andamento. Na preparação deste artigo usei muitos materiais novos, descobertos ou desclassificados recentemente. A este respeito, posso afirmar com toda a responsabilidade que não existem documentos de arquivo que confirmem a suposição de que a URSS pretendia iniciar uma guerra preventiva contra a Alemanha. De facto, a chefia militar soviética seguiu uma doutrina segundo a qual, em caso de agressão, o Exército Vermelho enfrentaria prontamente o inimigo, passaria à ofensiva e travaria a guerra no território inimigo. No entanto, esses planos estratégicos não implicavam nenhuma intenção de atacar a Alemanha como primeiro.
Com certeza, hoje os historiadores dispõem os documentos de planeamento militar, diretrizes do comando militar soviético e alemão. Finalmente, conhecemos o verdadeiro curso dos eventos. Do ponto de vista desse conhecimento muitos discutem sobre as ações, erros e julgamentos erráticos da liderança político-militar do país. A esse respeito, direi uma coisa: junto com um enorme fluxo de desinformação de vários tipos os líderes soviéticos receberam também informações verdadeiras sobre a próxima agressão nazista. E nos meses pré-guerra tomaram medidas para melhorar a capacidade de combate do país, incluindo o recrutamento parcial secreto e a deslocação das unidades e reservas dos distritos militares no interior do país até as fronteiras ocidentais. A guerra não foi uma surpresa; as pessoas aguardaram e prepararam-se para ela. Mas o ataque nazista foi verdadeiramente sem precedentes em termos do seu poder destrutivo. A 22 de junho de 1941 a União Soviética enfrentou o exército mais forte, mais mobilizado e mais qualificado do mundo, para o qual serviu o potencial industrial, económico e militar de quase toda a Europa. Não apenas a Wehrmacht, mas também os satélites alemães, contingentes militares de muitos outros estados do continente europeu, participaram nessa invasão mortífera.
As derrotas militares mais sérias de 1941 levaram o país à beira da catástrofe. A capacidade de combate e o controle tiveram de ser restaurados por meios extremos, mobilização nacional e intensificação de todos os esforços do estado e do povo. No verão de 1941, milhões de cidadãos, centenas de fábricas e indústrias começaram a ser evacuados sob o fogo do inimigo para o leste do país. Em curtos prazos foi lançada a fabricação de armas e munições que começaram a ser fornecidas à frente já no primeiro inverno da guerra, em 1943 foram superadas as taxas de produção militar da Alemanha e dos seus aliados. Durante um ano e meia o povo soviético fez algo que parecia impossível, tanto na linha de frente como na retaguarda. Ainda é difícil perceber, entender e imaginar quantos esforços incríveis, coragem e dedicação valeram essas grandes feitos.
O tremendo poder da sociedade soviética unida pelo desejo de proteger sua terra natal ergueu-se contra a máquina invasora nazista de sangue frio, poderosa e armada até os dentes. Levantou-se para se vingar do inimigo que tinha destruído e esmagado a vida pacífica, planos e esperanças das pessoas.
É claro que medo, confusão e desespero dominavam algumas pessoas durante essa guerra terrível e sangrenta. Houve traição e deserção. Cisões graves causadas pela Revolução e Guerra Civil, niilismo, zombaria da história nacional, tradições e fé que os bolcheviques tentaram impor, especialmente nos primeiros anos após a chegada ao poder – tudo isso teve o seu impacto. No entanto, a atitude geral dos cidadãos soviéticos e dos nossos compatriotas que se encontraram no exterior foi diferente: era preciso salvar e proteger a Pátria. Foi um impulso real e irreprimível. As pessoas procuravam apoio em verdadeiros valores patrióticos.
Os “estrategistas” nazistas estavam convencidos que um enorme estado multinacional poderia ser facilmente oprimido. Acreditavam que o início repentino da guerra, sua impiedade e dificuldades insuportáveis exacerbariam inevitavelmente as relações interétnicas e que o país poderia ser desmembrado em pedaços. Hitler declarou claramente: “A nossa política para com os povos que vivem na vastidão da Rússia deve consistir na promoção de quaisquer formas de desacordo e cisão”.
Mas desde os primeiros dias ficou claro que este plano nazista foi um fracasso. A Fortaleza de Brest estava a ser protegida até a última gota de sangue pelos defensores de mais de 30 etnias. Podemos ver manifestações de tal unidade durante a guerra, tanto em grandes batalhas decisivas, como na proteção de todos os pontos de apoio, de cada metro da terra nativa.
Milhões de evacuados albergaram-se na região do Volga e dos Urais, Sibéria e Extremo Oriente, repúblicas da Ásia Central e a Transcaucásia. Os seus habitantes compartilharam tudo o que tinham e forneceram todo o apoio que puderam. A amizade dos povos e a ajuda mútua tornaram-se uma verdadeira fortaleza indestrutível para o inimigo.
A União Soviética e o Exército Vermelho, não importa o que alguns tentam provar hoje, deram uma contribuição principal e crucial para a derrota do nazismo. Os heróis que lutaram até o fim, cercados pelo inimigo em Bialystok e Mogilev, Uman e Kiev, Vyazma e Kharkiv. Que lançaram ataques perto de Moscovo e Estalinegrado, Sebastopol e Odessa, Kursk e Smolensk. Que libertaram Varsóvia, Belgrado, Viena e Praga. Que assaltaram Königsberg e Berlim.
Nós defendemos a genuína verdade sobre a guerra, não envernizada ou caiada de branco. Essa verdade humana popular, dura, amarga e impiedosa, que nos foi transmitida em grande parte por escritores e poetas que atravessaram o fogo e o inferno da linha de frente. Para a minha e para as outras gerações, assim as suas histórias honestas e profundas, romances, emocionante “prosa de tenentes” e poemas deixaram a marca na alma para sempre. Honrar veteranos que fizeram tudo o que podiam pela Victória e lembrar aqueles que morreram no campo de batalha tornou-se o nosso dever moral.
Hoje emocionam as linhas simples e grandes na sua essência do poema de Alexander Tvardovsky “Fui morto perto de Rzhev...” dedicado aos participantes da batalha sangrenta e brutal da Grande Guerra Patriótica no sector central da linha de frente soviética-alemã. Só nas batalhas de Rzhev e da Saliente de Rzhev, de outubro de 1941 até março de 1943, o Exército Vermelho perdeu 1.342.888 pessoas, inclusive os feridos e desaparecidos. Pela primeira vez revelo estes números terríveis, trágicos e ainda incompletos, coletados das fontes de arquivo. Faço isso para homenagear a memória da façanha dos heróis conhecidos e sem nome, sobre os quais por várias razões falava-se injustamente pouco ou mesmo nada nos anos pós-guerra.
Deixem-me citar mais um documento. É o relatório de fevereiro de 1945 da Comissão Aliada de Reparações, chefiada por Ivan Maisky, sobre as reparações da Alemanha. A tarefa da Comissão foi definir uma fórmula segundo a qual a Alemanha derrotada teria de pagar pelos danos sofridos pelas potências vitoriosas. A Comissão concluiu que “o número de soldado-dia passados pela Alemanha na frente soviética é pelo menos 10 vezes maior do que em todas as outras frentes aliadas. Na frente soviética também foram concentrados 4/5 dos blindados alemães e cerca de 2/3 dos aviões alemães”. Em geral, cerca de 75% de todos os esforços militares empreendidos pela Coligação anti-Hitler couberam à URSS. Durante os anos da guerra o Exército Vermelho “afundou” 626 divisões dos países do Eixo, 508 das quais foram alemãs.
Em 28 de abril de 1942 Franklin D. Roosevelt disse no seu discurso à nação americana: “As tropas russas destruíram e continuam a destruir mais poder armado do nosso inimigo comum – soldados, aviões, blindados e canhões – do que todas as outras nações aliadas juntas”. Churchill na sua mensagem a Estaline de 27 de setembro de 1944 escreveu que “foi o exército russo que deixou a máquina militar alemã com tripas de fora…”.
Essa avaliação ressoou em todo o mundo. Porque essas palavras refletem aquela grande verdade, a qual ninguém duvidava na altura. Quase 27 milhões de cidadãos soviéticos perderam a vida na linha de frente, em cativeiro nas prisões alemãs, morreram de fome e bombardeamentos, em guetos e fornos dos campos de extermínio nazistas. A URSS perdeu 1 em cada 7 dos seus cidadãos, o Reino Unido – 1 em 127 e os EUA – 1 em 320. Infelizmente, esse número das perdas mais graves e irrecobráveis da União Soviética não é final. O trabalho meticuloso deve ser continuado para restaurar os nomes e destinos de todos os que perderam a vida: soldados do Exército Vermelho, guerrilheiros, combatentes clandestinos, prisioneiros de guerra e dos campos de concentração, civis assassinados por esquadrões da morte. É o nosso dever. Neste sentido, o papel especial é desempenhado pelos membros de movimentos de busca, associações patrióticas e militares de voluntários, por tais projetos como o banco de dados eletrónico “Memória do Povo” que contém documentos de arquivo. Nesta tarefa humanitária comum é necessária uma cooperação internacional estreita.
Os esforços de todos os países e povos que lutaram contra o inimigo comum levaram à vitória. O exército britânico protegeu a sua pátria da invasão, lutou contra os nazistas e os seus satélites no Mediterrâneo e no norte da África. As tropas americanas e britânicas libertaram a Itália e abriram a “segunda frente”. Os EUA lançaram ataques poderosos e esmagadores contra o agressor no Pacífico. Lembramos os tremendos sacrifícios do povo chinês e o seu grande papel na derrota dos militaristas japoneses. Não esqueceremos combatentes da “França Livre” que não reconheceram a capitulação vergonhosa e continuaram a lutar contra nazistas.
Também estaremos sempre gratos pela assistência prestada pelos Aliados no que diz respeito ao fornecimento de munição, matérias-primas, alimentos e equipamentos ao Exército Vermelho. Essa ajuda foi significativa e representou cerca de 7% da produção militar total da União Soviética.
O núcleo da coligação anti-Hitler começou a ganhar força logo após o ataque contra a União Soviética, quando os Estados Unidos e a Grã-Bretanha a apoiaram incondicionalmente na luta contra a Alemanha de Hitler. Na conferência de Teerão em 1943 Estaline, Roosevelt e Churchill formaram uma aliança de grandes potências, concordaram em elaborar uma diplomacia de coligação e uma estratégia conjunta na luta contra uma ameaça mortal comum. Os líderes dos “Três Grandes” tinham um entendimento claro de que a união dos potenciais industriais, de recursos e militares da URSS, dos Estados Unidos e do Reino Unido dará uma vantagem incontestada sobre o inimigo.
A União Soviética cumpriu plenamente s suas obrigações perante os seus aliados e sempre ofereceu ajuda. Assim, o Exército Vermelho apoiou o desembarque das tropas anglo-americanas na Normandia, realizando na Bielorrússia a operação de grande escala Bagration. Em janeiro de 1945 ataques russos no rio Oder puseram fim à última ofensiva poderosa da Wehrmacht na frente ocidental nas Ardenas. Passados três meses após a vitória sobre a Alemanha a URSS, em plena conformidade com os acordos de Yalta, declarou a guerra ao Japão e derrotou um milhão de soldados do exército de Kwantung.
Ainda em julho de 1941, a liderança soviética declarou que “o objetivo da guerra contra os opressores fascistas não é só eliminar ameaça que paira sobre o nosso país, mas também ajudar a todos os povos da Europa que sofrem sob o jugo do fascismo alemão”. Nos meados de 1944 o inimigo foi expulso praticamente de todo o território soviético. No entanto, teve de ser eliminado no seu covil. Assim o Exército Vermelho iniciou a sua missão libertadora na Europa, salvou as nações inteiras do extermínio, escravização e do horror do Holocausto. Eles foram salvos a custo de centenas de milhares de vidas dos soldados soviéticos.
É também importante não esquecer a enorme assistência material que a URSS prestou aos países libertados quanto à eliminação da ameaça de fome, na reconstrução das suas economias e infraestruturas. Isso foi feito na altura quando os milhares de quilómetros desde Brest até Moscovo e o rio Volga estavam cobertos de cinzas de incêndios. Por exemplo em maio de 1945 o Governo austríaco pediu à URSS que preste uma ajuda e forneça alimentos pois “não tinha ideia de como alimentar a sua população nas próximas sete semanas antes da nova colheita”. Karl Renner, o Chanceler do Governo provisório da República Austríaca, descreveu a provação pela liderança soviética do envio do alimentos como “um ato de salvação” que “os austríacos nunca esquecerão”.
Os Aliados estabeleceram conjuntamente o Tribunal Militar Internacional destinado para punir os criminosos militares e políticos nazistas. As suas decisões contem uma qualificação legal clara de tais crimes contra a humanidade, como genocídio, limpeza étnica e religiosa, antissemitismo e xenofobia. Diretamente e sem ambiguidade o Tribunal de Nuremberga condenou também os cúmplices dos nazistas, colaboradores de vários tipos.
Este fenómeno vergonhoso se manifestou em todos os países europeus. Figuras como Pétain, Quisling, Vlasov, Bandera, seus capangas e seguidores são traidores e carrascos, embora tenham sido disfarçados de combatentes pela independência nacional ou pela liberdade do comunismo. Muitas vezes superaram os seus patrões na sua desumanidade. No desejo de servir bem eles executaram voluntariamente as ordens mais desumanas, fazendo parte de grupos punitivos especiais. Eles foram responsáveis por eventos sangrentos como os tiroteios de Babi Yar, o massacre de Volhynia, incêndio em Khatyn, atos de extermínio dos judeus na Lituânia e na Letônia.
Hoje a nossa posição mantém inalterada: não há desculpa para os atos criminosos de colaboradores nazistas, não existe estatuto de limitações para eles. Portanto, é desconcertante que em certos países aqueles que desonraram a si mesmos pela cooperação com nazistas são de repente considerados como veteranos da Segunda Guerra Mundial. Acho inaceitável equiparar libertadores e ocupantes. Posso considerar a glorificação dos colaboradores nazistas só como uma traição à memória dos nossos pais e avós, traição aos ideais que uniram os povos na luta contra o nazismo.
Naquela altura os líderes da URSS, dos Estados Unidos e do Reino Unido tiveram, sem exageros, uma tarefa histórica. Estaline, Roosevelt e Churchill representavam países de diferentes ideologias, aspirações estatais, interesses, culturas, mas demonstraram uma imensa vontade política, superaram as contradições e preferências, colocaram os verdadeiros interesses da paz em primeiro lugar. Como o resultado, eles conseguiram chegar ao acordo e alcançar uma solução da qual toda a humanidade se beneficiou.
Os países vitoriosos nos deixaram um sistema que se tornou a quintessência da busca intelectual e política de vários séculos. Uma série de conferências em Teerão, Yalta, São Francisco e Potsdam formou as bases de um mundo que não teve guerra global durante 75 anos, apesar das contradições mais acentuadas.
O revisionismo histórico, cujas manifestações agora observamos nos países ocidentais nomeadamente em relação ao tema da Segunda Guerra Mundial e dos seus resultados, é perigoso porque distorce grosseiramente e cinicamente a compreensão dos princípios do desenvolvimento pacífico estabelecidos em 1945 nas conferências de Yalta e San Francisco. A principal conquista histórica de Yalta e de outras decisões da altura é o acordo de criar um mecanismo que permita que as principais potências permaneçam no quadro da diplomacia na resolução das suas diferenças.
O século XX trouxe conflitos globais abrangentes. E em 1945 as armas nucleares capazes de destruir fisicamente a Terra entraram na cena. Em outras palavras, a solução de controvérsias pela força tornou-se excessivamente perigoso. Os vencedores da Segunda Guerra Mundial entenderam isto. Eles entenderam e estiveram cientes da sua própria responsabilidade perante a humanidade.
As experiências lamentáveis da Sociedade das Nações foram levadas em consideração em 1945. A estrutura do Conselho de Segurança da ONU foi desenvolvida de um modo para a tornar as garantias de paz as mais concretas e eficazes possíveis. Foi assim que surgiu a instituição dos membros permanentes do Conselho de Segurança e o direito de veto como um privilégio e responsabilidade deles.
O que é o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU? Para ser franco, é a única alternativa razoável a um confronto direto entre os maiores países. É uma afirmação de um dos cinco poderes que a tal decisão é lhe inaceitável e é contrária aos seus interesses e ideias sobre a abordagem correta. E os outros países, mesmo que não concordem, tomam essa posição como certa e abandonam tentativas de realizar os seus esforços unilaterais. Então é necessário, de uma ou outra maneira, buscar compromissos.
Um novo confronto global começou quase imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial e às vezes foi muito feroz. O facto de a Guerra Fria não ter transformado na Terceira Guerra Mundial testemunhou claramente a eficácia dos acordos fechados por “Três Grandes”. As regras de conduta acordadas durante a criação da ONU permitiram minimizar os riscos e manter o confronto sob o controle.
No entanto, é evidente que o sistema da ONU sofre atualmente uma certa tensão no seu trabalho e não é tão eficaz quanto poderia ser. Mas a ONU desempenha a sua função principal. Os princípios do trabalho do Conselho de Segurança da ONU é um mecanismo único para prevenir uma grande guerra ou conflito global.
Os apelos feitos com frequência nos últimos anos para abolir o poder de veto e privar os membros permanentes do Conselho de Segurança dos instrumentos especiais são na verdade irresponsáveis. Afinal, se isto acontecer, as Nações Unidas tornar-se-ão de facto na Sociedade das Nações – um fórum para conversas fiadas sem qualquer influência sobre os processos mundiais. É bem conhecido, como isto termina. Foi por isso que os poderes vitoriosos abordaram a formação do novo sistema da ordem mundial com a máxima seriedade, procurando evitar a repetição dos erros de seus antecessores.
A criação do sistema atual das relações internacionais é um dos principais resultados da Segunda Guerra Mundial. Mesmo as contradições mais intransponíveis – geopolíticas, ideológicas ou económicas – não nos impedem de encontrar formas de coexistência e interação pacíficas, se há desejo e vontade de fazê-lo. O mundo de hoje está a passar por um período bastante turbulento. Tudo está a se mudar, desde o equilíbrio global de poderes e influência até as bases sociais, económicas e tecnológicas das sociedades, nações e continentes inteiros. Nas épocas passadas as mudanças de tal magnitude quase nunca ocorreram sem grandes conflitos militares, sem lutas pela construção de uma nova hierarquia global. Graças à sabedoria e perspicácia das figuras políticas das potências aliadas foi possível criar o sistema que impede manifestações extremas de tal competição objetiva e historicamente inerente ao desenvolvimento mundial.
O nosso dever e o dever de todos aqueles que assumem responsabilidade política e representam as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, é garantir que esse sistema seja preservado e aprimorado. Hoje, como em 1945, é importante demonstrar a vontade política e discutir juntos sobre o futuro. Os nossos colegas Xi Jinping, Macron, Trump e Johnson apoiaram a iniciativa russa de realizar uma reunião dos líderes dos cinco estados nucleares que são membros permanentes do Conselho de Segurança. Agradecemos a eles e esperamos que uma reunião presencial possa ocorrer no prazo mais rápido possível.
Qual é a nossa visão da agenda da desta cimeira? Antes de tudo, na nossa opinião, seria útil discutir os passos para o desenvolvimento dos princípios coletivos nos assuntos mundiais, ter uma discussão aberta sobre as questões de manutenção da paz, fortalecimento da segurança global e regional, controlo sobre armas estratégicas, bem como os esforços conjuntos para combater o terrorismo, extremismo e outros grandes desafios e ameaças.
Um assunto especial na agenda da reunião é a situação na economia global, nomeadamente a superação da crise económica causada pela pandemia de coronavírus. Os nossos países estão a adotar medidas sem precedentes para proteger a saúde e vidas das pessoas, apoiar cidadãos que se encontram em situações difíceis. Quão severo será o impacto da pandemia e com que rapidez a economia global emergirá da recessão depende da nossa capacidade de trabalhar juntos e em sintonia, como verdadeiros parceiros. Além disso, é inaceitável transformar a economia num instrumento de pressão e confronto. Entre as questões importantes está a proteção ambiental e combate contra as mudanças climáticas, bem como garantias de segurança no espaço global de informações.
A agenda proposta pela Rússia para a próxima cimeira dos “P5” é extremamente importante e relevante tanto para os nossos países como para o mundo inteiro. Temos ideias e iniciativas concretas sobre todos os pontos da agenda.
Não há dúvida que a cimeira entre a Rússia, China, França, Estados Unidos e Reino Unido terá um papel importante na busca de respostas comuns aos atuais desafios e ameaças e demonstrará um compromisso para com o espírito de aliança e para com aqueles altos ideais e valores humanistas, pelos quais os nossos pais e avós lutaram ombro a ombro.
Baseando-se na memória histórica comum podemos confiar um em outro e devemos fazê-lo. Isto servirá uma base sólida para as negociações frutíferas e ações concertadas com o objetivo de reforçar a estabilidade e segurança do planeta em prol da prosperidade e bem-estar de todos os estados. Sem exagero é o nosso dever e responsabilidade comum perante o mundo inteiro e as gerações presentes e futuras.
Vladimir Putin, o Presidente da Federação da Rússia
19 junho de 2020